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Instrumentos jurídicos atuais para a defesa dos direitos LGBT

 

Por Lucas Rosado e Filipe Fiakra.

Muito se discute sobre a criminalização da homofobia, tanto que recentemente esse debate chegou ao Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 (relatoria do Ministro Celso de Mello) e o Mandado de Injunção nº 4733 (relatoria do Ministro Edson Fachin). Nos instrumentos jurídicos supracitados discute-se se há omissão do Congresso Nacional em relação à edição de leis que criminalizem a homofobia. Contudo, o Plenário do STF suspendeu o julgamento desses dois processos no dia 21/02/2019, sem que se tenha ainda uma previsão para sua continuidade.

Apesar de ainda não existir norma específica, muitos indivíduos que estão incluídos na comunidade LGBT não possuem plena consciência dos direitos já adquiridos em decorrência de nossa Constituição Federal e na Legislação vigente. O intuito deste artigo é expor os mecanismos de defesa de direitos já existentes em nossa legislação capazes de proteger a integridade dos direitos dos indivíduos LGBT. Introduziremos falando das hipóteses em que comportamentos homofóbicos caracterizam dano moral nos âmbitos cível e trabalhista. Em seguida, iremos discorrer sobre os crimes de lesão corporal e homicídio qualificado motivados pela orientação sexual e identidade de gênero da pessoa. Por fim, fecharemos com os crimes contra a honra cometidos no âmbito LGBT, e com a participação do artista Filipe Fiakra acerca de sua contribuição para com a representatividade da classe.

I – DANOS MORAIS E ASSÉDIO MORAL

Muito se fala em assédio moral no âmbito trabalhista, diversas vezes relacionado à orientação sexual/identidade de gênero do empregado. Esse assédio constitui práticas constrangedoras e humilhantes, com intuito de expor o empregado em função da sua orientação sexual/identidade de gênero. Cumpre destacar que os Tribunais Regionais do Trabalho de diversos Estados vêm decidindo que esse tipo de conduta configura assédio moral passível de indenização por danos morais. E não é muito diferente na seara cível, fazendo-se presente o dano moral se maculada a honra subjetiva do sujeito e presentes os seus pressupostos na conduta (ato ilícito, nexo de causalidade e dano). O próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios já possui uma série de precedentes nesse sentido, entre eles, vejamos:

JUIZADO ESPECIAL CIVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA REJEITADA. OFENSA À HONRA SUBJETIVA. HOMOFOBIA. DISCRIMINAÇÃO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(…)
(Acórdão n.1022624, 20160610143607ACJ, Relator: ALMIR ANDRADE DE FREITAS 2ª TURMA RECURSAL, Data de Julgamento: 31/05/2017, Publicado no DJE: 07/06/2017. Pág.: 852/856).

Com isso, podemos aferir que condutas vexatórias, que visem em constranger e expor a pessoa em virtude de sua orientação sexual/identidade de gênero caracteriza dano moral, tanto no âmbito trabalhista (assédio moral) quanto no âmbito cível.

 

II – DIFAMAÇÃO E INJÚRIA

Cabe ainda falar dos crimes contra a honra dispostos na Legislação Penal (artigos 138 a 145 do CP) relacionados ao âmbito LGBT. Além da responsabilização civil, conforme foi exposto anteriormente, quando tratar-se dos crimes de difamação ou injúria, cabe a responsabilização criminal, ou seja, o agente responderá pelas penas previstas na Legislação. É muito comum observar situações que incidam as hipóteses previstas nos crimes supracitados, pois já existem vários casos relatados desses acontecimentos até mesmo nas próprias redes sociais. Ressaltando que a difamação é imputar fato ofensivo à reputação da pessoa (como, por exemplo, expor ao público boatos ofensivos relacionados à pessoa, ainda que verdadeiros), e injúria é ofender a dignidade e o decoro da pessoa (como, por exemplo, proferir xingamentos ofensivos e pejorativos como ‘’veado’’, ‘’veadinho’’, ‘’bicha’’, ‘’boiola’’, entre outros).

O procedimento correto nestes casos é primeiramente registrar ocorrência na Delegacia, ponto esse difícil para alguns, pois a morosidade e a desídia do serviço público em alguns casos pode atrapalhar a busca pelos direitos e pela responsabilização do autor do crime. Se encontrar alguma dificuldade relacionada ao agente público, como por exemplo, o policial que não quiser registrar a ocorrência, ou se recusar a prestar informações sobre os andamentos das investigações, entre outras condutas desidiosas, caberá uma denúncia ao Ministério Público pelo crime de prevaricação disposto no artigo 319 do Código Penal. Instaurado o procedimento investigatório e, consequentemente, da Ação Penal, deve-se buscar a reparação do dano no Juízo Cível através de Ação Indenizatória. É recomendado que todo esse procedimento seja realizado mediante acompanhamento de um profissional que possa orientá-lo e instruí-lo juridicamente da melhor forma possível.

III – LESÃO CORPORAL E HOMICÍDIO QUALIFICADO

Um outro problema enfrentado pela comunidade LGBT são as agressões físicas sofridas por seus membros em função da orientação sexual/de gênero. Esse tema requer uma análise mais aprofundada, pois dependendo da situação haverá a incidência de normas penais distintas. Abordando essa temática, podemos ter dois institutos jurídicos a serem considerados, a lesão corporal e o homicídio qualificado.

O crime de lesão corporal está previsto no artigo 129 e seguintes do Código Penal Brasileiro, e está relacionado com a ofensa à integridade física, isto é, agressões físicas que causem lesão no corpo do indivíduo. Infelizmente, em nosso país são recorrentes as notícias de agressões motivadas apenas pelo simples fato da pessoa possuir uma orientação sexual/identidade de gênero diferente. A criminalização da homofobia é um tema que engloba essa problemática, porém, enquanto não é criada uma norma específica para este caso, essa conduta é enquadrada como lesão corporal disposta no Código Penal.

Todavia, uma mesma situação na qual o indivíduo foi agredido em virtude de sua orientação sexual/identidade de gênero, a depender do contexto e da gravidade das lesões, pode configurar tentativa de homicídio qualificado. O crime de homicídio encontra-se disposto no artigo 121 do Código Penal, e no §2º temos suas qualificadoras, entre elas o chamado ‘’motivo fútil’’. Conforme a doutrina e o entendimento dos tribunais preconizam, motivo fútil é o motivo insignificante, banal, que comumente não levaria ao crime, hipótese essa em que se encaixaria perfeitamente a motivação do crime em razão da orientação sexual da pessoa. Existem ainda tribunais que consideram o homicídio homofóbico como sendo de motivação torpe, isto é, repugnante, vil, alvo de repúdio. Essas circunstâncias já são suficientes para caracterizar o homicídio homofóbico como sendo qualificado, possuindo, portanto, uma pena mais gravosa que a do homicídio simples.

Para finalizar, deixo aqui o depoimento do artista e grande amigo meu, Filipe Fiakra (https://www.fiakra.com.br/), importante figura e ícone LGBT, acerca de como sua arte pode contribuir na luta por representatividade de visibilidade da comunidade:

‘’Meu projeto na música é mais do que comércio. O mercado é essencial para o meu trabalho, mas maior que isso é a minha missão com meu público. Procuro levar conceitos de auto conhecimento e aceitação nas musicas, fazendo com que as pessoas sejam influenciadas a respeitarem e serem respeitadas.
Sou a favor da luta que usa o amor como arma. Hoje é fácil ter um discurso pronto de amor. Os militantes, sem generalizar, levam na ponta da língua um discurso pronto de amor, paz e aceitação, mas é na hora do conflito com opiniões diferentes que vemos se esse discurso é válido. Muitas vezes agimos pior que as pessoas que consideramos nossos opressores, e isso precisa ser vigiado.
Precisamos acordar para que não criemos uma ditadura inversa, na qual nos consideramos superiores aos nossos opressores. Quem não tem pecado, que atire a primeira pedra. Devemos nos defender e ensinar a verdade, mas bater de frente com a mesma energia obscura e cheia de raiva, só vai fazer com que se exploda uma bomba relógio. Pérolas não devem ser jogadas aos porcos. Muitas vezes nossa luta pode ser feita em silêncio, apenas com a nossa existência servindo de exemplo à pessoas que não tem a capacidade de entender falas cultas.
Sobre meu trabalho, tenho um chamado que considero espiritual. Canto desde criança quando era da igreja e estudo dança profissionalmente desde os 18 anos. Trabalho como cantor, Compositor, coreógrafo, Dançarino e professor. Eu nasci na arte e nunca pensei em desistir ou fugir, já que isso nunca foi algo possível pra mim. Quando alguém pergunta se eu já pensei em desistir da arte, eu sinto como se estivessem me perguntando se eu já desisti de ter um braço.
Óbvio que as vezes desanimamos e temos nossos tempos de ansiedade, recaídas, emoção afetada. Mas isso não me impede de viver e querer sempre lutar pela minha vida e pela vida dos outros
Quando falo dos outros, é porque sei que no meu trabalho eu dou a cara a tapa por muita gente. O pior é que as vezes eu não sou valorizado ou entendido até mesmo por pessoas do meio. Eu dou a cara a tapa por pessoas que muitas vezes me desvalorizam. Mas eu e Deus sabemos do meu valor e do que eu tenho que fazer aqui, então não me faço de vítima por isso. Apenas comento pra ver se essas pessoas acordam. Se não acordarem, continuarei fazendo isso mesmo assim. Por elas e pelas que sabem e reconhecem minha missão.
Sei que já salvei vidas com minhas musicas. Recebo mensagens diariamente sobre isso. Sobre musicas que salvaram momentos de depressão profunda. Musicas minhas que ajudaram alguém a não se sentir sozinho e procurar o suicídio. Não me vanglorio por isso, porque isso não vem de mim. A minha técnica vem de mim, do meu estudo e do meu corpo. Mas essa consciência e missão foi dada pela universo, e estou aqui fazendo nada mais que a minha obrigação.’’
Filipe Fiakra.

 

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