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Gilmar Mendes, o balizador da República

Por João Pedro Marques

 

Em raríssimos momentos da História da República brasileira a escolha de um ministro para o Supremo Tribunal Federal (STF) ocorreu com grandes surpresas nos planos político e institucional como a de Kássio Marques. A maior delas foi o consentimento explícito de um veterano da Suprema Corte. Não que ministros nunca foram consultados por presidentes de plantão para a escolha de novos membros da mais alta cúpula do Poder Judiciária. Isto é normal, quase que corriqueiro. Mas um presidente pegar seu escolhido a tiracolo para receber as bênçãos de um membro do STF isto nunca ocorreu. Ao menos explicitamente, frisa-se.

O episódio é revelador em relação à influência política e institucional que o ministro Gilmar Mendes tem na Praça dos Três Poderes, se movimentando com desenvoltura entre deputados e senadores, seus colegas do Supremo e no Palácio do Planalto, com o presidente e ministros do núcleo duro do governo. Por esta razão, Gilmar Mendes tornou-se uma espécie de “Balizador da República”. Nos últimos 20 anos ele esteve no epicentro de alguns momentos cruciais da vida política brasileira e saiu deles empregando um suporte institucional imprescindível para contornar crise. Muito embora em alguns momentos tenha sido ele próprio a razão da crise, como quando denunciou o “estado policial” no primeiro governo Lula, com grampos revelados pela revista Veja. Ou quando se conduziu pela indiscrição (calculada) ao comentar conversa reservada entre ele, Lula e o ex-ministro Nelson Jobim, gaúcho de Santa Maria, também ex-presidente do próprio STF, da Justiça no governo do FHC e da Defesa e presidente da ANAC nos governos petistas.

Gilmar, mais recentemente, esteve no centro de uma polêmica com os generais do governo ao alertar para o fato de que, como o aumento crescente de mortos pela covid-19 os militares, em postos chaves na gestão sanitária do país, poderiam ser responsabilizados por um genocídio eminente. Os cinco estrelas, a começar pelo vice-presidente Hamilton Mourão espernearam. Mendes chegou a ser ameaçado de processo pela Lei de Segurança Nacional, mas a coisa ficou pelo meio do caminho. Neste episódio foi revelador o silêncio do presidente Jair Bolsonaro, que não teceu palavra sequer contra Gilmar Mendes.

O ministro, que é mato-grossense de Diamantino, consolidou uma grande respeitabilidade no mundo jurídico não só no Brasil, mas também em vários países do mundo onde constantemente é convidado para proferir palestras na área constitucional. Dias atrás, por ocasião da posse do atual ministro da Justiça, o presidente Bolsonaro lhe agradeceu pelos conselhos que o ministro Gilmar lhe atende todas as vezes que é solicitado. Outra demonstração de respeito e reconhecimento de sua capacidade intelectual foi por ocasião da posse do atual presidente da Corte Suprema, ministro Fux que homenageou todos os seus pares quando referiu-se ao ministro Gilmar Mendes. Fux disse que homenageava o ministro Gilmar “como uma inteligênci a serviço do Brasil”. Por aí já é o suficiente para se ter o mínimo de consciência do quanto o ministro Gilmar Mendes é um nome de peso da República brasileira!

Gilmar Mendes, como costumam expressar os analistas políticos em Brasília, é que de fato “simboliza o poder” na capital federal. E vão além ao dizerem que o ministro Gilmar Mendes é o adversário político que “nenhum presidente da República quer ter”

Outra amizade atípica é com seu colega Dias Toffoli, em verdade seu antípoda, se levarmos em consideração os caminhos que ambos trilharam até chegarem ao Supremo. Mendes, como Toffoli, foi advogado-geral da União antes de ser indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para a Suprema Corte. A indicação de Gilmar foi considerada claramente uma indicação política. Assim como o foi a de Dias Toffoli, até então homem de confiança do PT e amigo pessoal do ex-presidente Lula. Ou seja, Mendes e Toffoli estava em lados opostos do espectro político e ideológico, que rivalizaram e polarizaram a vida política nacional. Esta amizade que transparecia até uma relação entre pai e filho, ou tio e sobrinho ou de irmão mais velho com o caçula tornou-se reveladora das posturas que ambos passaram a assumir desde então. Paradoxalmente, Gilmar Mendes caminho mais para o centro e chegou a acenar com a esquerda, se consolidando como um juiz garantista. Toffoli fez o caminho inverso, passando a flerta com a centro-direita e a direita. Seu abraço no presidente Jair Bolsonaro no último final de semana é muito emblemático disto.

Como foi emblemático o fato de Toffoli estar presente na casa de Gilmar Mendes na noite da terça-feira da semana passada (29.09) quando Bolsonaro foi levar Kassio Marques para ser abençoado. A reação do presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, que descredenciou o desembargador, afirmando que ele não teria currículo para ocupar o cargos, foi muito mais que uma cena de ciúmes, contudo o que marcou mesmo foi a reveladora dor de cotuvelo. Fux não engoliu que Mendes e Toffoli tivessem sido apresentados ao futuro ministro e ele, presidente da Suprema Corte, tivesse sido solenemente ignorado. Quer dizer, passou recibo: ele é presidente do Judiciário, mas que tem autoridade política e institucional naquele poder tem o gabinete no anexo dois do Supremo. Mas já ocupou o maior gabinete do prédio principal. Ou seja, Mendes foi presidente do Supremo e, em não raros momentos, protagonizou situações importantes para a valorização do Poder Judiciário. Uma delas foi dar o devido valor institucional ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Cultivando seu caráter de juiz garantista e ao mesmo tempo sendo o mais político (e/ou politicado) entre os ministros do Supremo, Gilmar Mendes sempre zelou pela independência política. Foi assim desde que assumiu em 2000, inclusive em relação a quem o indicou para o cargo, Fernando Henrique Cardoso. Passou pelos governos petistas com a mesma independência em relação a Lula e Dilma. No governo de Michel Temer, sua postura não impediu que atendesse pedidos de conselhos do ex-vice de Dilma. E agora quem recorre à sua experiência política e institucional é Jair Bolsonaro.

O presidente poderia ter escolhido um nome de sua estrita confiança. Ele havia sinalizado que escolheria alguém “extremamente evangélico” visando agradar parte de sua base social. Depois afirmou que poderia ser alguém com quem pudesse “tomar cerveja”, indicando que escolheria um nome bem próximo de seu círculo de amizades. Mas acabou elegendo um nome “neutro”. A escolha tem nuances interessantes. Passou inicialmente pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Lembrando que a escolha tem que ser ratificada pela Casa. E foi justamente Alcolumbre que intermediou a ida de Bolsonaro a residência de Gilmar Mendes, que, como costumam expressar os analistas políticos em Brasília, é que de fato “simboliza o poder” na capital federal. E vão além ao dizerem que o ministro Gilmar Mendes é o adversário político que “nenhum presidente da República quer ter”.

* João Pedro Marques é advogado, jornalista e publisher em Brasília e Mato Grosso

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