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Gilmar Mendes: “Tenho sido um tipo de mau profeta”

O ministro do STF falou a VEJA sobre o governo Bolsonaro, pedidos de impeachment,
politização da Justiça e Lava-Jato

Por Laryssa Borges

De férias em Portugal, o ministro concedeu entrevista a VEJA.

 

Por que o senhor está sempre envolvido em polêmicas?

As Cortes Constitucionais são normalmente contra majoritárias em relação à opinião
pública e à imprensa. Quem entender que seu papel é agradar à mídia ou à
opinião pública certamente está no lugar errado. Vivo bem nesse meu papel,
às vezes odiado, às vezes aplaudido. Tenho um perfil psicológico adequado
para isso. Por algum tipo de coincidência ou de inteligência, tenho sido um
tipo de mau profeta, porque as previsões que fiz e a antevisão de algum
quadro de caos se concretizaram.

O que esperar do novo decano do STF?

É um papel bastante simbólico de
representar o STF e de ter voz em momentos de crises internas e externas.
Infelizmente as crises têm se tornado bastante frequentes. Todos nós, e
falando pelo tribunal, temos de nos preocupar tanto com a qualidade da
governança como com a ingovernabilidade. Um estado de ingovernabilidade
é uma ameaça à estabilidade institucional. Pensemos em um caminhão
desgovernado. Os governos sem governabilidade acabam por provocar
grandes estragos. Temos de dar condições para que haja governabilidade.
O governo Bolsonaro é um caminhão desgovernado? Há alguns sinais de
déficit no que diz respeito à governabilidade e sérios problemas de
coordenação. A questão da saúde, por exemplo, talvez até por uma opção
político-eleitoral, provocou essa confusão entre União, estados e municípios.
Certamente, se tivesse havido uma adequada coordenação, não teríamos esse
desfecho tão trágico em relação a tantas famílias.

O senhor vê condições para um impeachment do presidente?

O impeachment é uma arma que é pensada para não ser utilizada. Para além
da tipificação de crime de responsabilidade, precisamos de uma causa
política, e normalmente isso só ocorre quando o apoio do presidente
desidrata, como aconteceu nos casos de Collor e Dilma. Se não houver essa
perda de apoio, fica apenas um tipo de luta política. Toda vez que alguém fala
em impeachment trago como contraproposta o semipresidencialismo, um
regime em que o presidente seria o exercente de um poder moderador,
temperaria as refregas políticas, mas, em caso de uma crise, sofreria o voto de
desconfiança. Elege-se um novo governo, o assunto se encerra e a vida segue
sem maiores traumas.

A democracia está ou já esteve sob risco?

Não sei dizer de forma muito clara.
O próprio governo e seus apoiadores se conscientizaram de que tentar
persuadir as instituições pela via dos ataques ou do constrangimento físico
era uma metodologia que não se coadunava com a democracia. No início, o
presidente Bolsonaro também dizia que não iria ceder ao presidencialismo de
coalizão, mas começou a faltar votos no Congresso, e o governo foi buscar o
Centrão para ter algum tipo de aliança com um mínimo de programa de
governo.
O senhor continua afirmando que a política do governo Bolsonaro de
combate à pandemia foi genocida? Não quero usar essa expressão porque ela
se presta a equívocos. No grupo de conselheiros do presidente havia pessoas
que diziam que a doença era uma gripezinha, que todas as medidas sanitárias
recomendadas eram exageradas. E ainda havia o gabinete paralelo, os magos
da cloroquina, todo um contexto sem base científica alguma. Acabamos
produzindo um megadesastre sanitário. Se não é um genocídio, é uma
mortandade em grande escala que poderíamos ter evitado.

Como avalia o trabalho da CPI da Pandemia?

A CPI está fazendo um
competente inventário da crise para termos elementos de avaliação, tentar
reparar o passado e fazer as devidas cobranças, mas sobretudo fazer as
corrigendas para o futuro. Agora começa a revelar episódios relacionados à
corrupção, distorção na compra de vacinas.
O presidente semeia diariamente a tese de que as urnas eletrônicas não são
confiáveis. Isso faz parte de um discurso para manter sua grei unida. Temos
de tratar Napoleão como Napoleão. Tem suspeitas de fraude? Traga as provas
e vamos discutir isso publicamente. A própria vitória dele, que não era do
establishment, é a prova inequívoca de que isso não existe. Nessa discussão
sobre fraude em urnas eletrônicas tem um tipo de mensagem sub-reptícia
que não devemos aceitar. Essa gente dialoga um pouco com aqueles que
dizem que o homem não foi à Lua, que a Terra é plana e que a cloroquina
salva.

Há politização na Justiça?

A politização da Justiça levou Sergio Moro a vir
para o governo federal imaginando-se também candidato e estimulou um juiz
do Rio a imaginar eleger a mulher prefeita. Todos esses delírios felizmente
estão sendo sepultados. Os fatos revelados pela Vaza-Jato nos entristecem, nos
enchem de vergonha. O Judiciário sai muito mal desse episódio. Certamente
ninguém hoje quer ser sócio da Lava-Jato. Ainda vêm muitas corrigendas em
torno disso.
Como “mau profeta”, qual o cenário que o senhor prevê para 2022?
Certamente teremos disputas eleitorais renhidas e, espero, civilizadas. Temos
feito os mais diversos experimentos políticos, mas dentro dos marcos
democráticos. É o mais longo período de normalidade democrática no
período republicano. A gente tem de envidar esforços para que tudo continue
caminhando nessa direção.

 

Publicado em VEJA de 14 de julho de 2021, edição nº 2746

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