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Novo parcelamento de tributos é seletivo. Poucos setores da economia serão beneficiados

Anunciado como solução para alavancar a economia afetada pela pandemia, o projeto que dispõe sobre a reabertura do prazo de adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) é, na verdade, um arranjo político para atender nichos empresariais muito específicos que tiveram queda nominal em seus faturamentos durante a crise sanitária.

O Projeto de Lei nº 4.728/2020 concede benefícios bem menores à grande maioria das empresas, que, apesar da pandemia, mantiveram seus patamares de estrutura e de pessoal. A maioria delas foi impactada pelo aumento de custos, viu sua margem de lucros despencar e teve dificuldades de acesso ao crédito. Mesmo essas companhias tendo contribuído significativamente para a manutenção da economia, não foram incluídas entre as empresas aptas a receber os maiores benefícios na renegociação de dívidas tributárias.

O projeto aprovado pelo Senado e que agora segue para votação na Câmara, na prática, cria um novo programa de parcelamento de débitos tributários, sem nenhuma relação com o projeto original do Pert de 2017, que concedia condições iguais a todos os setores da economia e não apenas aos de eventos, turismo, hotéis e transporte aéreo e rodoviário de passageiros. Este último coincide com o ramo de atuação da família do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e autor da proposta de renegociação de dívidas com a União.

O senador é herdeiro de empresas de ônibus e sua ascensão ao comando do Congresso Nacional expôs o lobby do parlamentar para beneficiar o setor. Reportagem da Revista Crusoé de 22 de janeiro deste ano revelou que empresas de ônibus ligadas a Rodrigo Pacheco (foto em destaque) reúnem quase R$ 1,4 milhão em dívidas tributárias. A Viação Real soma 29 débitos em aberto entre débitos previdenciários e tributários. A Santa Rita possui outras 36 contas em atraso com a União.

A redução de faturamento como critério para a concessão do benefício contradiz o suposto interesse de oportunizar sobrevivência ao maior número de empresas possível afetadas pela crise. Segundo apontam especialistas, a proposta impõe elevados e impraticáveis percentuais de entrada às primeiras modalidades de parcelamento. Os valores previstos são 10 vezes maiores do que a última modalidade, na qual os benefícios são mais generosos.

Pela proposta, as empresas que tiveram queda de faturamento a partir de 80% em 2020 recebem o maior bônus: precisam pagar 2,5% da dívida na entrada e terão descontos de 90% em multas e 100% em encargos nos 97,5% restantes. Já as que não se enquadram, terão de desembolsar nas primeiras cinco parcelas 25% do total da dívida e contar com 65% de desconto em juros e multas, além de 75% em encargos sobre os 75% remanescentes.

“A empresa pode ter registrado um avanço no faturamento, mas teve, também, aumento de custos muito mais do que proporcional e operado em déficit. E talvez por isso não tenha conseguido honrar seus compromissos tributários”, diz Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.

Segundo analistas tributários ouvidos pelo Metrópoles, o programa de parcelamento tributário criado pelo Projeto de Lei nº 4728/2020, além de não estimular a economia, não deve trazer a normalização da arrecadação tributária, ao mesmo tempo que acaba punindo aqueles que conseguiram superar as adversidades durante a pandemia.

As empresas que optaram pelo corte radical de custos e de investimentos, com diminuição do número de empregados, serão agora também beneficiadas pelo parcelamento de seus débitos fiscais, mediante aplicação de diversos mecanismos de redução da dívida.

Para o doutor em direito tributário e coordenador do curso de Tributação sobre Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), André Félix Ricotta de Oliveira, programas de refinanciamento de dívidas são necessários porque promovem impacto positivo. “Aqui no Brasil, a gente tem uma alta carga tributária que chega a comprometer 40% do faturamento de uma empresa. Se a empresa deixa de pagar os tributos do mês, com a margem de lucro que ela tem, não consegue recuperar o que deixou para trás. Então, se não tivermos programas como Refis para regularizar a situação, fica impossível”, avalia o profissional, que é sócio da Félix Ricotta Advocacia.

Para Oliveira, empresários não se tornam devedores por vontade. “Considerar que os devedores de tributo são sonegadores é uma ilusão, não é a realidade. Ninguém quer ficar em débito”, afirma ainda o advogado. Ele avalia, porém, que as condições do Pert em tramitação são ruins para as empresas que não registraram queda de faturamento. “A primeira parcela para aderir ao programa é muito pesada, de 25% do valor do débito, que é um quarto da dívida. Eu não vejo muito benefício”, conclui o tributarista, em entrevista ao Metrópoles.

O PL nº 4728/2020 ainda não tem relator na Câmara, mas a tramitação deve ser acelerada porque o texto vindo do Senado prevê prazo de adesão aos programas até o próximo dia 30 de setembro. O assunto deve ganhar atenção após a votação da Reforma Tributária, adiada na última quinta (12/8) por falta de acordo. Com um projeto em curso que cria benefício fiscal seletivo, a expectativa dos setores alijados é de que o texto seja alterado na Câmara dos Deputados.

Colaborou Raphael Veleda

Da redação com o Metrópoles

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