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Plenário do Supremo nega ações contra Novo Marco do Saneamento Básico

Questões referentes ao saneamento básico são intrinsecamente de interesse local e de competência dos municípios. Mas isso não impede a atuação conjunta e integrada entre todos os entes da federação, pois a eficiência de tal serviço é de interesse dos estados e da União, já que ajuda a preservar a saúde das pessoas e o meio ambiente e a promover desenvolvimento econômico sustentável.

Luiz Fux entendeu que cabe ao Judiciário avaliar metas para universalização do saneamento básico no Brasil
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por sete votos a três, negou nesta quinta-feira (2/12) quatro ações diretas de inconstitucionalidade que questionam dispositivos do Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020).

Prevaleceu o voto do relator, ministro Luiz Fux, contra as ADIs. Além dos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes, seguiram Fux na sessão desta quinta os ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.

Gilmar disse que a União tem competência para instituir diretrizes sobre o saneamento básico (artigo 21, XX, da Constituição). Assim, não viola a Carta Magna a fixação, pela Agência Nacional de Águas (ANA), de requisitos de conformidade regulatória esperados dos municípios e dos estados para que possam receber transferências da União, apontou o ministro. Afinal, tais repasses são transferências voluntárias, não obrigatórias. E a União já poderia condicioná-las antes do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, declarou Gilmar.

O magistrado também apontou que a necessidade de adequação dos contratos de programa à nova lei não desrespeita a competência dos entes federativos, pois caberá a cada um deles aplicar as normas da forma que for mais adequada ao caso. Segundo ele, a nova lei criou um regime jurídico de transição adequado à Constituição.

Barroso opinou que a norma buscou aumentar a eficiência dos serviços de saneamento básico ao autorizar maior participação da iniciativa privada na área. De acordo com ele, o Estado não tem recursos para fornecer um serviço de qualidade a toda a população, e é preciso abrir o mercado para empresas privadas.

Já Cármen Lúcia avaliou que o novo marco legal não esvazia a autonomia dos municípios, e sim estabelece regras de proteção da saúde e do meio ambiente.

Votos divergentes
Ficaram parcialmente vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Fachin, que abriu a divergência, votou para declarar inconstitucionais os artigos 7º, 9º e 13 do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Para Fachin, os dispositivos violam o pacto federativo ao excluir a possibilidade conferida pela Constituição da utilização do contrato de programa como instrumento de gestão associada do saneamento público pelos municípios.

O ministro também votou para promover interpretação conforme o artigo 30 da Constituição aos artigos 3º e 7º— para proibir que municípios não recebam recursos da União pelo desrespeito às regras da ANA, o que, a seu ver, ofende a autonomia desses entes federados.

Fachin igualmente votou para promover interpretação conforme a Constituição aos artigos 10-A e 10-B, para que, quanto aos contratos de programa vigentes, as alterações somente sejam válidas se pactuadas entre o poder concedente e a empresa prestadora do serviço, diante da garantia constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito.

Por fim, o ministro votou para promover interpretação conforme a Constituição ao artigo 11-A da Lei 11.445/2007, incluído pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico, a fim de compreender que contratos de programa são firmados entre entidades da administração pública e não admitem, por sua própria natureza, delegação a particulares.

Voto do relator
Em voto apresentado na quinta passada (25/11), o relator do caso, ministro Luiz Fux, apontou que o novo marco legal visa aumentar a eficiência na prestação dos serviços de saneamento básico. Para isso, optou pelo modelo de concessão, com o objetivo de fomentar a concorrência para os mercados. Isso permite que o poder público avalie as propostas e escolha a que melhor atender os interesses sociais, segundo o magistrado.

A lei também estabelece medidas para universalizar o saneamento básico até 2033. Por falta de capacidade institucional, ressaltou o ministro, não cabe ao Judiciário avaliar se as metas são precisas ou imprecisas, convenientes ou inconvenientes.

O Novo Marco Legal do Saneamento Básico manteve a autonomia municipal e a sua harmonização com arranjos federativos de contratação. Porém, consolidou instrumentos de cooperação interfederativa. Ou seja: a organização das atividades continua sob a titularidade dos municípios, ao passo que o planejamento é o resultado da deliberação democrática em dois níveis, federal e o estadual ou regional.

Tal arranjo está de acordo com a Constituição, disse Fux, apontando que um saneamento básico de qualidade promove diversos direitos fundamentais, como saúde, proteção do meio ambiente e estímulo à economia e ao trabalho, algo de interesse de estados e União.

Além disso, a organização, por estados, de unidades regionais voltadas à concessão dos serviços públicos de saneamento tende a defender os interesses de todo o território sob sua jurisdição e tende a incluir municípios mais distantes das capitais ou de outras metrópoles, beneficiando a população da área, opinou.

O Novo Marco Legal do Saneamento Básico atribui poderes normativos à Agência Nacional de Águas (ANA) quanto ao tema. A ANA deverá fixar quais são os requisitos de conformidade regulatória esperados dos municípios e dos estados para que possam receber transferências da União. Para Fux, o mecanismo é constitucional.

“O condicionamento da destinação de recursos federais via transferências voluntárias já pode ocorrer para atendimento de certas metas, objetivos, obrigações pelos entes recebedores, inclusive por pactuação contratual. Desse modo, o condicionamento sequer demanda lei disciplinadora das condições para a percepção das dotações. Nada obstante, em apreço à segurança jurídica, não há vedação a que haja disciplina em lei formal”, analisou o ministro.

Contrato de programa
Até a promulgação da Lei 14.026/2020, a execução dos serviços públicos de saneamento básico esteva majoritariamente vinculada ao contrato de programa. Nesse modelo, os municípios contratavam diretamente as empresas públicas e as sociedades de economia mista dos estados.

A nova lei manterá em vigor os contratos de programa. Mas os novos contratos de saneamento serão de concessão.

De acordo com Luiz Fux, a alteração busca aumentar a eficiência dos serviços e representa uma afetação proporcional à autonomia negocial dos municípios em prol da concretização de objetivos setoriais legítimos.

O relator ainda avaliou que a Lei 14.026/2020 possui regras que harmonizam o futuro desuso do contrato de programa com a proteção das expectativas dos contratantes e com a continuidade dos serviços, sem violar a segurança jurídica.

Argumentos dos autores
Autor da ADI 6.492, o PDT argumentou que a norma pode criar um monopólio do setor privado nos serviços de fornecimento de água e esgotamento sanitário, em prejuízo da universalização do acesso e da modicidade de tarifas.

O partido também contestou a exigência de que as empresas de saneamento firmem contrato de concessão com municípios. Conforme a legenda, isso gerará o desmonte de companhias estatais e de estruturas já consolidadas.

Na ADI 6.536, PCdoB, PSol, PSB e PT sustentaram que o serviço público de saneamento é privativo do poder público e que suas atribuições são inerentes ao interesse local que se incluem na competência originária do município, ainda que a natureza do saneamento demande a participação de outros municípios e do Estado no planejamento, execução e gestão do serviço integrado.

Os partidos também apontaram que o novo marco legal representa risco de dano iminente ao dever da administração pública de ofertar a todos o acesso a bens essenciais em função do princípio da universalidade dos serviços públicos, cuja máxima determina que sua prestação não deve distinguir seus destinatários.

Já na ADI 6.882, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) argumentou que a lei finda a gestão compartilhada do serviço de saneamento básico por consórcio público ou convênio de cooperação, impondo a concessão como único modelo de se delegar o serviço. Segundo a entidade, a imposição afronta as competências asseguradas aos municípios pelo artigo 30 da Constituição Federal.

O dispositivo prevê a competência municipal tanto para legislar sobre assuntos de interesse local quanto para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local.

Por fim, na ADI 6.583, a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) apontou que o novo marco legal representa a completa imposição da União sobre a autonomia dos municípios, além de transformar o saneamento básico em um balcão de negócios, excluindo a população pobre e marginalizada.

A Assemae disse que um dos principais problemas da Lei 14.026/2020 é a imposição de uma única forma para delegar o serviço de saneamento: por meio de concessão, o que viola o artigo 241 da Constituição.

Clique aqui para ler o voto de Edson Fachin
ADIs 6.492, 6.536, 6.583 e 6.882

Da redação com o ConJur

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